terça-feira, 8 de maio de 2012

Quando o Anonimato é Traição


Anonimato é ato traiçoeiro? Nem sempre. Mas quase sempre. Em certas circunstâncias, sempre. Seguramente sempre.
Não há traição na denúncia anônima quando desta resulta a elucidação de um crime. Ou a prisão de um foragido. Mas quando se trata de denunciação falsa, valendo-se de mentira para acusar quem é sabidamente inocente, então aí não há quem duvide que o denunciante valeu-se de torpe traição para praticar um ato de vindita pessoal; ou, pior ainda:para causar mal a alguém por pura inveja, ou por motivo mais vil. Neste último caso, o denunciante é um canalha. E um canalha covarde, porque se serve do anonimato para prejudicar aquele de quem tem medo de confrontar em campo aberto.
Quanto ao eleitor que sufraga protegido pelo sigilo, o que dele se pode dizer é que seu voto é escudado por uma forma de anonimato perfeitamente legítima, cujo fundamento está na liberdade de escolha, de modo a que o direito do voto seja exercido livre de qualquer forma de pressão. Pelos meios de controle legais, sabe-se quem votou, pois a identidade do eleitor é obrigatoriamente conferida pelos órgãos da Justiça Eleitoral. Mas não se sabe em qual candidato aquele eleitor votou. A quando da apuração, será revelado o quantitativo de votos depositados, e para quais candidatos foram dirigidos os votos válidos, mas anula-se obrigatoriamente o voto que contenha qualquer vestígio de identificação do votante, entre outros defeitos que levam à nulidade do voto.
Ao contrário dessas circunstâncias anteriormente apontadas em que o anonimato é um dever-ser, outras há em que o melhor mesmo é que tudo se resolva às claras, evitando-se o anonimato sempre que este é nocivo, na medida em que acoberta indevidamente a identidade do autor do voto, isentando-o de responsabilidade que deve assumir de público.abertamente. de modo claro e insofismável, para que todos saibam com precisão a origem do voto que, proferido em decisão coletiva, aprovou ou rejeitou determinada matéria de interesse público.
O exemplo mais flagrante, e também mais recente, de quanto o voto fechado se iguala ao anonimato nocivo, foi dado pelo Congresso Nacional, ao decidir, em plenário, sobre as recomendações de cassação do Conselho de Ética.
Não se está querendo dizer que os ilustres parlamentares federais deveriam unanimemente votar pela cassação daqueles a quem o Conselho recomendou a perda de mandato. Isso levaria à pratica de ato defeituoso, na medida em que, como já consagrado em bordão popular, a unanimidade, muita vez, é burra. Apresentada ao Plenário o parecer final do Conselho de ética, caberia aos congressistas dizer “sim” ou “não” ao recomendado pelo Conselho. Vale dizer: o deputado, ou senador, poderia livremente votar pela cassação do indiciado a quem o Conselho recomendasse a absolvição, e pela absolvição daquele cuja cassação fora aprovada pelo Conselho. O que se entende injustificável é um mandatário da vontade popular esconder-se no anonimato para não permitir à Nação saber se ele votou pela cassação ou pela absolvição, em cada um dos casos julgados.
Fica muito fácil para o parlamentar dizer, em certas rodas, que votou pela cassação e, em outras e ao sabor das circunstâncias, afirmar que votou pela absolvição. Pelo mesmo viés, ao não declarar em aberto o seu voto, o parlamentar escamoteou de seu eleitorado o “sim” ou “não” que a Nação ansiosamente esperava conhecer.
Inaceitável o argumento de que, ao votar sob sigilo o parlamentar pode expender sua decisão livre do assédio da imprensa, dos correligionários e dos adversários políticos, da pressão de suas bases eleitorais, e tudo o mais. O parlamentar é um mandatário da vontade popular. O povo é o mandante. Como tal, espera que o outorgado cumpra a vontade dele, outorgante. Ou, no mínimo, que deixe o povo saber, com toda clareza e honestidade, qual a posição que ele, parlamentar, assumiu ao votar matéria de interesse público.
Quando o Congresso estava votando se os implicados nos mensalões e outros escândalos, cuja cassação o Conselho de Ética recomendou, e, quem sabe mercê do escudo do anonimato, o julgamento do plenário rejeitou o recomendado pelo órgão apurador e decidiu pela absolvição, deve-se perguntar se o anonimato, nessa especial circunstância, é legitimo ou nocivo. Inclino-me pela nocividade do voto sigiloso. Afinal de contas, o eleitorado tinha, e tem, direito pleno de saber qual foi a direção dada pelo parlamentar/julgador ao voto de que resultou aprovação, ou a reprovação, do decidido pelo órgão apurador. Entender o contrário é legitimar que o mandatário aja do jeito que melhor lhe aprouver e sem levar em conta a vontade do mandante. Sem prestar conta de seu agir ao povo, cuja vontade deve ser cumprida. Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Ou não?
Emblemático é que não houve um só registro de indiciado cuja absolvição tivesse sido recomendada pela Comissão de Ética e que o Plenário tivesse resolvido pela cassação, ainda que por decisão colegiada proferida com votos depositados sob a proteção do anonimato.
Autor: Rui Guilherme Filho é Juiz Titular da 1º Vara de Família da Comarca de Macapá

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