Corrupção Pequenas cidades, grandes
rombos
Daniel Camargos / Estado de Minas
A corrupção miúda, que não desvia
milhões, mas leva propinas em pequenos contratos, é tão nociva quanto os
grandes esquemas, alvos de investigação nacional e de grande repercussão
Programa de fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) já investigou
1.941 municípios do país, com até 500 mil habitantes, e constatou falhas graves
em 20% das cidades, sendo que nos 80% restantes são encontradas falhas médias O
Estado de Minas visitou quatro pequenas cidades nas regiões Sul e Norte do
estado e detalha como os desvios de recursos e atos malfeitos dos
administradores lesam a população, que deixa de ter necessidades básicas
atendidas, seja uma creche não construída até um banheiro mal-acabado e repleto
de defeitos.
Em Ouro Fino, no Sul de Minas, cidade
de 31 mil habitantes, um esquema de corrupção foi desmanchado este mês pelo
Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Nove funcionários da prefeitura
foram presos e cinco permanecem na cadeia. O efeito dos desvios pode ser
percebido na construção inacabada da creche do Programa Pró-Infância, no Bairro
Jardim Patrícia. Com previsão de término para 2009, a construção tem paredes
erguidas, telhado e parte do acabamento, mas permanece sem janelas, portas e a
cada dia que passa a depredação aumenta.
Em vez de crianças recebendo educação
no horário em que os pais estão trabalhando, a creche é local de estrume de
vaca e muros pichados. "Conto com a minha cunhada para levar o Davi à
creche do outro lado da cidade. Não dá para ir a pé", reclama o pai do menino
de 4 anos, Alexandre Marcelino da Silva, que trabalha na empresa de chicotes
elétricos vizinha da creche inacabada. Quem também passa aperto para deixar o
filho na creche é Ana Cláudia Alves, mãe de Kauã Alves da Silva. "Saio do
trabalho às 17h e tenho que ir correndo para dar tempo de buscar o Kauã. Fico
triste porque a creche é feita com dinheiro da gente", lamenta Ana
Cláudia.
Os motivos que levam à creche inacabada
são complexos e objeto de investigação detalhada, comandada pelo promotor de
Ouro Fino, Mário Corrêa da Silva Filho. Ele descobriu um esquema de cobrança de
propina comandado pela servidora Simone Beltrami de Souza, funcionária da área
de licitações. "Como o recurso da creche é de um convênio federal, o
pagamento é feito em etapas. Uma medição grande foi antecipada e a obra foi
dada como concluída, sem ter sido acabada", explica o promotor.
Simone está presa. Procurada pela
reportagem na cadeia de Ouro Fino, a acusada não quis conceder entrevista.
Foram encontrados R$ 600 mil na conta do filho adolescente da ex-servidora.
"Toda vez que saía um pagamento a Simone recebia propina", afirma o
promotor. Também foram encontrados nas contas de Simone vários depósitos em
cheques de empresas com contrato com a prefeitura. Além disso, o prefeito Luiz
Carlos Maciel (DEM) está afastado. Maciel afirma que faz o possível para
esclarecer os malfeitos na sua administração e que colocou à disposição da
Justiça o seu sigilo bancário, fiscal e telefônico.
Para piorar a situação em Ouro Fino, o
vice-prefeito Deoclécio Consentino (DEM) também está cassado e preso, em regime
semi aberto. O motivo é o uso de notas fiscais superfaturadas quando era
vereador na legislatura passada. "Os vereadores iam para a posse de um
deputado em Belo Horizonte, que era de um dia, e traziam notas fiscais para a
semana inteira. Em local que se lanchava por R$ 3 eles traziam notas de R$
50", lembra o promotor.
A Câmara Municipal abriu uma comissão
processante contra o prefeito afastado, mas não consegue encontrá-lo para ser
notificado. A reportagem também foi até a casa de Maciel, deixou recado com sua
mulher, mas não obteve retorno para uma entrevista. No comando da cidade está o
presidente da Câmara, Lauro Tandeli (PSDB). "Não gostei da experiência e
não me sinto à vontade no cargo", afirma Tandeli. O orçamento previsto da
cidade para este ano é de R$ 44 milhões, mas o prefeito também não sabe
precisar o tamanho do rombo.
Lauro Tandeli promete tentar resolver o
problema da Ponte do Mercado, destruída por uma enchente no fim de 2010.
"Já veio uma verba, mas a reforma não foi liberada, pois o projeto previa
vigas fora da especificação", explica. Já em relação à creche, ele diz que
não pode fazer mais nada, pois o dinheiro previsto já foi gasto.
FISCALIZAÇÃO Mesmo quando as falhas não
são tão latentes, elas prejudicam a população. Uma das cidades mineiras
sorteadas para receber a fiscalização da CGU foi Minduri, de 3,8 mil
habitantes, também no Sul de Minas, onde foram encontrados diversos problemas.
O principal diz respeito à construção de uma creche do programa Pró-Infância. A
obra deveria ser entregue em novembro de 2009, mas ainda não está pronta. A
inspeção do CGU encontrou uma série de falhas, como destelhamento, uso de
material de baixa qualidade, excesso de argamassa, falta de reboco e outros
pormenores.
A prefeitura se explicou à CGU e disse
que iria reparar os danos, mas não convenceu. "Em que pese a apresentação
de fotos, como forma de dar suporte a cada um dos itens justificados acima, a
efetividade das ações implementadas pela administração municipal somente poderá
ser ratificada mediante nova inspeção in loco; destacando que as falhas
apontadas, se examinadas em conjunto, podem vir a comprometer a qualidade do
empreendimento como um todo", afirma o órgão federal de controle.
Enquanto isso, os moradores de Minduri
seguem como os mais prejudicados. Luíza Helena Justina teve que deixar o
emprego de doméstica para tomar conta da filha, Francileia Justina, de 1 ano e
3 meses. "Meu marido trabalha em São João del-Rei e fica 10 dias lá e
quatro aqui. Para poder trabalhar teria que colocá-la na creche", afirma
Luiza. A reportagem procurou o prefeito Edmar Geraldo da Silva na sede do
Executivo municipal, mas ele não concedeu entrevista.
De acordo com a CGU, os problemas
graves constados são obras inacabadas ou paralisadas, apesar de pagas; uso de
notas fiscais frias e documentos falsos; simulação de licitações ou
irregularidades no processo de licitação, incluindo a participação de empresas
fantasmas; superfaturamento de preços, falta de merenda escolar e de medicamentos;
gastos sem licitação; não comprovação da aplicação de recursos; favorecimento
de empresas, entre outros.
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